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Posts Tagged ‘CHÃO’

Entre as desejadas potencialidades naturais do Brasil e as pesquisadas mazelas sofridas pelo seu povo há uma riqueza pouco valorizada e explorada: a sabedoria que nasce do nosso chão, concebida na prática da vida. Muitos mestres estão espalhados pelo país, construindo, na peleja pela sobrevivência, na poeira que o viver levanta, um fecundo chão de saberes.

Na intenção de conhecer como vivem e pensam esses mestres, decidi iniciar, no Vale do Jequitinhonha, Nordeste de Minas Gerais, uma incursão à sabedoria brasileira. Viajei com a ideia de, lá, poder ser uma garimpeira. Não fui explorar os recursos minerais do rico solo da região, mas o mundão de possibilidades que brotam do chão humano. Durante as três semanas de minha passagem pela região, conheci gente de muito saber em Araçuaí, Berilo, Chapada do Norte e Diamantina.

Ao tentar garimpar as riquezas de suas percepções, comecei a perceber que é de troca e convivência que o chão se alimenta. Ele é formado por gente e não por deuses. Seu Antenor, um dos fazedores com quem conversei, ensina: “Deus é um sozinho que tem”. No chão, ama-se e se é amado, acolhe-se e se é acolhido, dá-se e recebe-se, perde-se e ganha-se: nele se vive! E com abundância. Nas prazerosas conversas que tive com os fazedores, comecei a compreender: o aprender e o ensinar é uma peleja constante e comum a todos.

Voltar os olhos para o nosso chão pode ser uma experiência reveladora. É que, quando nos limitamos às alturas, deixamos de enxergar, nas sutilezas e miudezas que ensinam vida, a grandeza que tanto procuramos no alto. Colocando os pés na nossa terra podemos descobrir o nosso chão, o chão do Brasil e, mais do que isso: podemos ter um valioso guia na aventura que é o viver.

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No chão de sua vida, Ambrosina Dias da Cruz costura virtudes e faz com que uma se equilibre na outra. Da humildade que não a deixa se esquecer da importância de uma terra firme para caminhar, colocando-a em contato com seu próprio valor, nasce a simplicidade que a ensina a não necessitar ser elogiada: “Tenho medo do elogio, de ficar orgulhosa. Eu gosto de reconhecimento e isso é diferente”.

Ambrosina nasceu no ano de 1917, em Diamantina (Alto Jequitinhonha – MG), cidade onde mora. Ela aponta como razão de sua vitalidade e longevidade a postura ativa que mantém desde menina: “Minha vida foi cheia de serviço, por isso estou bem de saúde”. Já foi doceira, costureira e “até pegava na enxada”. Nas atividades na Igreja encontrou o trabalho que lhe traz satisfação. Lá, aos nove anos de idade, começou a cantar. Ajudou, com as Pastorinhas de Diamantina, a arrecadar fundos para construir a Capela de Nossa Senhora da Consolação. Apresentando-se nas ruas da cidade, as meninas-pastorinhas cantavam e dançavam, acompanhadas pela orientação e pelo acordeon de Ambrosina. O grupo terminou em 2009, mas pôde deixar registrado, em CD, um pouco do seu trabalho. Os 50 anos em que permaneceu com as Pastorinhas não abandonam suas lembranças: “Tenho muita saudade. Eu gostava demais”.

Durante 50 anos, Ambrosina se apresentou com as Pastorinhas nas ruas de Diamantina

De seu otimismo, ela colhe o prazer para viver. A vida, afirma, “é cheia de coisas boas, é só saber levar”. A lucidez que sustenta sua visão otimista lhe dá, também, coragem para não temer o fim. “Quando alguém morre, penso: foi?! Eu também vou. Ah, pode falar: a parte real de nossa vida é a nossa irmã morte. Na hora que você nasce, você já está morrendo. Deus põe na mão da gente uma vela da proporção da vida que vamos viver. Quando acende a vela, já estamos morrendo”, diz. Para quem é senhora de si mesma, servir o outro é uma grata oportunidade de expressar e dividir seu afeto, além de poder se livrar da prisão do egoísmo: “Me fechar, me trancar em mim, isso não! O que sei e tenho, eu divido. Ah, o prazer de servir: que alegria me dá!”.

Ficar trancada em si mesma não apenas tira o prazer de servir, como também pode impedir a convivência com uma postura que Ambrosina considera fundamental: “Dizer a verdade, somente a verdade”. É saindo de dentro de si, é não escondendo dentro dela fraquezas que ela deixa sua naturalidade se expressar: “Ah, eu era ranzinza. Não vou falar que só sou santa não. Eu também sou desconfiada, desapontada”.

Desconfiada de um lado, porém confiante por outro, Ambrosina repele a hesitação que duvida do êxito. Quando nos lançamos a uma empreitada, ela ensina, “não é pra dizer: ‘se der certo’, tem que tirar o ‘se’. Tem que dizer assim: ‘vai dar certo!’”. Como amiga de sua terra e artista de rua, foi ganhando o reconhecimento de onde tira estímulo para, no cultivo de um modo simples de viver, colher vida do seu chão.

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